segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Anônimo


Fernando descia a rua agitada, congestionada de gente que ia e vinha, levando e trazendo suas aflições e angústias, pessoas sérias, pessoas sorridentes, o tempo todo falando nos telefones celulares, sem perceberem os caminhos, seguindo, automaticamente, desviando-se uns dos outros, atrás de algo já programado, a rotina louca da cidade grande na retina de Fernando, caminhando, observando...
"Compro ouro! Compro ouro!" gritava um velho de gravata e de casaco surrado.
"Empréstimo fácil, sem consulta ao Serasa e SPC! desconto em folha de pagamento e outras opções de crédito, vamos pegar, minha gente..." gritava uma mulher distribuindo panfletos.
"Aparelhos dentários, consultas sem compromissos, arrume seus dentes com a gente"... convidava uma jovem sorridente.
E Fernando ali, caminhando, pensando intensamente no dia de amanhã, nas contas a pagar, no que fazer com os filhos crescendo e precisando trabalhar, precisando de renda e ocupação, essa era sua preocupação momentânea enquanto descia a rua da praia, ia dar lá na beira do lago, do braço de mar, de ilhas e ilhas... Fernando era mais uma ilha naquele universo, naquela rua, naquela multidão de anônimos caminhando, com olhos abertos mas fechados, ouvindo o som da cidade, os gritos dos vendedores, os rumores dos carros e ônibus... "Compro ouro" , "Empréstimo fácil"... Fernando não tinha ouro e nem crédito, Fernando só tinha o olhar distante e o caminhar, nem emprego tinha mais, nem aposentadoria... sobrevivia das faxinas da esposa... Não sabia se queria viver mais...
Sentou e chorou na beira do cais.

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