Porto Alegre continua viva. As cidades não morrem, depois de construídas são eternas, apenas crescem e se transformam. Mesmo um terremoto ou maremoto que tente destruir alguma cidade, ela sobrevive. Os habitantes se unem e reconstroem. E assim nasce a segunda-feira nublada de 28 de fevereiro em Porto Alegre, agora sem os passos tranquilos, sem o olhar profundo e pensativo do escritor porto-alegrense Moacyr Scliar. No domingo, 27, ele deixou de existir entre os vivos, entre seus familiares, entre seus amigos, entre seus fãs. Foram 73 anos de muita vida e realizações, estava no seu ano 74, e durante esta existência publicou 74 livros. Foi o escritor gaúcho que mais publicou livros. Começou em 1962 e só parou de publicar em 2010. Deve ter deixado alguns títulos inéditos, tal era sua produção literária que somou 49 anos. Podemos dizer que Scliar escreveu durante 50 anos e só parou com a doença e a morte.
A Feira do Livro de Porto Alegre não terá mais as brilhantes palestras do ficcionista mais criativo dos pampas nos últimos anos. Moacyr não caminhará lentamente com o braço por cima de sua esposa Judith pelas ruelas da Praça da Alfândega, entre as bancas de livros, cumprimentando e atendendo gentilmente todos aqueles leitores e escritores que queriam se comunicar com ele. Sorria, posava para fotos, dava entrevistas e aconselhava jovens autores.
As façanhas dos guris do bairro Bom Fim nos anos 40 foram bem narradas por Scliar, e quando desço a Rua Pinto Bandeira e entro na Voluntários da Pátria recordo os seus personagens. Contos realmente fantásticos. Romances inesquecíveis. Me diverti muito lendo o romance Centauro no Jardim, que tem todos os ingredientes de uma boa ficção. Os Voluntários me comoveu pela sua narrativa poética. São tantas as obras deste trabalhador das letras que escreveu uma média de 1,5 livro por ano de carreira. Por mais de 20 anos escreveu crônicas no maior jornal do RGS, a Zero Hora, e colaborou em vários jornais de todo o país, como a Folha de São Paulo. Viajou por todos rincões do estado levando seus livros para bibliotecas, participando e incentivando feiras de livros, dando palestras em escolas e entidades literárias. Mesmo sendo um médico por profissão, foi, acima de tudo, um escritor por opção. Amava a literatura e incentivava quem escrevia.
Estive com este mestre da ficção algumas vezes: numa feira do livro em Rosário do Sul, num bate-papo com escritor na Palavraria, importante livraria do bairro Bom Fim, na capital, e durante a Feira do Livro de Porto Alegre em 2010, quando conversamos, ocasião em que lhe autografei meu livro Outras Vidas e depois recebi por e-mail comentários a respeito de meus contos. Na Palavraria entreguei a Scliar minha Antologia Poética Só Poesia. Ele era uma pessoa especial, atencioso, respondia e-mails de qualquer mortal. Um coração bom que parou de bater fisicamente, mas uma alma que deve estar realizada por ter cumprido sua missão de escrever, desvendar mistérios, fazer rir com seus textos criativos, bem humorados e com as mensagens humanistas que introduziu através de seus personagens.
Porto Alegre continua viva, pulsando, crescendo, mas sem a presença física deste imortal das letras, inesquecível escritor que adentra o céu para fazer companhia a Jorge Amado, Érico Veríssimo e tantos outros escritores que contaram histórias sobre as vidas diversas neste planeta.